Quando eu era criança, a estante de livros da minha avó (que Deus a tenha em bom lugar) guardava preciosidades; além da coleção do Sítio do Picapau Amarelo e dos exemplares da revista Meu Amiguinho, havia um livro que eu adorava: "Sem Família" (Sans Famille), do francês Hector Henry Malot, um clássico da literatura infanto-juvenil do finalzinho do século XIX.
O livro conta a história do pequeno Renato (Rémi, no original francês), que mora com sua mãe, a
humilde camponesa Maria Barbarino, no interior da França. Muito pobres, tinham apenas uma vaca, a 'Vermelha', que lhes garantia boa parte do sustento. Um dia, porém, Jerônimo -- que trabalhava na cidade -- se acidenta. Manda um bilhete à esposa, ordenando vender a vaca para, com o dinheiro, processar seu empregador. Jerônimo perde a ação judicial, fica desempregado e precisa voltar a viver com sua família. E é aí que a vida do pobre Renato, adotado por Maria Barbarino quando era ainda um bebê, começa a se tornar um inferno. 'Alugado' por seu pai adotivo ao velho artista mambembe Vitalis, o menino começa a lidar com questões complexas, como abandono, adoção, trabalho escravo e a busca por sua família verdadeira -- tudo isso, porém, sem perder a esperança de que dias melhores virão.
humilde camponesa Maria Barbarino, no interior da França. Muito pobres, tinham apenas uma vaca, a 'Vermelha', que lhes garantia boa parte do sustento. Um dia, porém, Jerônimo -- que trabalhava na cidade -- se acidenta. Manda um bilhete à esposa, ordenando vender a vaca para, com o dinheiro, processar seu empregador. Jerônimo perde a ação judicial, fica desempregado e precisa voltar a viver com sua família. E é aí que a vida do pobre Renato, adotado por Maria Barbarino quando era ainda um bebê, começa a se tornar um inferno. 'Alugado' por seu pai adotivo ao velho artista mambembe Vitalis, o menino começa a lidar com questões complexas, como abandono, adoção, trabalho escravo e a busca por sua família verdadeira -- tudo isso, porém, sem perder a esperança de que dias melhores virão.
Lembro que uma das passagens que mais me deixavam indignada era a em que Jerônimo, recém-chegado da cidade, na Páscoa, obriga Maria Barbarino a usar a manteiga que tinha conseguido juntar com as vizinhas para fazer-lhe uma Sopa de Cebolas. É que os ingredientes seriam usados para fazer bolinhos e pães doces para o pequeno Renato -- uma das duas receitas, não fica claro qual, tinha maçãs entre os ingredientes.
Eis um trecho:
"Num ímpeto, corri para o homem com a intenção de abraçá-lo. Ele esticou a bengala e me fez parar. Num tom de voz brusco, perguntou:
-- Quem é este menino?
-- É o Renato.
-- Mas você não me disse...
-- Eu menti... Ele não morreu...
-- Então era mentira...
Jerônimo ergueu a bengala. Encolhi-me de medo, com a impressão de que ele ia me espancar. Por que estaria tão zangado comigo?
Suas feições abrandaram um pouco ao notar minha expressão de pavor e baixando a bengala disse:
-- Vejo que comemoram a Páscoa. Boa ideia. Estou morrendo de fome. Que há para o jantar?
Maria Barbarino explicou:
-- Ia fritar estes bolinhos...
-- Estou vendo... estou vendo... Mas um homem que andou quase dez léguas não vai satisfazer-se co bolinhos...
-- Não há mais nada. Não sabíamos que você vinha...
Era visível a irritação de Jerônimo, que de fisionomia carregada murmurou:
-- Nada para o jantar!... Nada para o jantar!...
Logo, porém, vendo a manteiga e as cebolas, ordenou:
-- Deixe os bolinhos e prepare uma sopa de cebolas.
Maria Barbarino apressou-se a obedecê-lo, enquanto Jerônimo aproximava o banco da mesa. Intimidado pela presença desagradável e truculenta do recém-chegado, eu não conseguia esboçar um só movimento. Com a cabeça pendida sobre o ombo direito, consequência da pancada que recebera ao despencar do andaime, Jerônimo acompanhava todos os gestos de minha mãe adotiva.
Ao vê-la de novo ao fogão com a frigideira, o homem protestou:
-- Ponha aí toda a manteiga.
Ela obedeceu, sem protesto, e eu estremeci ao pensar que não haveria manteiga para os meus bolinhos! Era difícil acreditar que aquele homem grosseiro e mal encarado pudesse ser meu pai! Eu tinha uma ideia muito diferente do que fosse um pai. Imaginava-o terno, delicado, afetuoso, como uma mãe, dela apenas se destacando pela importância de suas ocupações! A voz de Jerônimo arrancou-me brutalmente de meus tristes pensamentos:
-- Menino! Mexa-se! Trate de pôr a mesa.
Corri a obedecê-lo e, quanto terminei, a sopa estava pronta. Jerônimo pôs-se a tomá-la, fuzilando-me de vez em quando com um olhar feroz. Amedrontado, eu nem pensava em comer. (...)"
Bom, por mais que eu sentisse revolta por causa da sopa de cebolas pedida pelo vilão da história, eu ficava imaginando que gosto ela teria. Assim como imaginava o gosto dos tais bolinhos, que em minha imaginação de menina seriam semelhantes -- se não em aparência, ao menos no gosto -- às tortas de maçã. Mas este é assunto pra outro post.
O livro original, que pertencia à minha avó, desapareceu. Recentemente, porém, consegui um exemplar da mesma edição, de 1972, através da Estante Virtual. Reli a história e, novamente, fiquei pensando tanto na sopa de cebolas quanto nos bolinhos. Assim, sendo, decidi fazer esta receita inspirada no livro! :)
Sopa de Cebola Gratinada
Há quem use caldo de carne,conhaque, vinho branco ou cidra na receita, mas basicamente é isso aí.
Nesta versão busquei me aproximar ao máximo da receita tradicional -- exceto pelo gruyère, que substituo aqui pelo nosso bom e velho parmesão.
1/2 tablete de manteiga
500g de cebolas brancas em rodelas finas
Sal e pimenta-do-reino a gosto
4 col (sopa) de farinha de trigo
1 e 1/2 litro de água
Tomilho a gosto (opcional)
1 col (sopa) de conhaque
Torradas
Queijo parmesão ralado
500g de cebolas brancas em rodelas finas
Sal e pimenta-do-reino a gosto
4 col (sopa) de farinha de trigo
1 e 1/2 litro de água
Tomilho a gosto (opcional)
1 col (sopa) de conhaque
Torradas
Queijo parmesão ralado
Primeiro, corte as cebolas o mais fino que conseguir. Sim, você vai chorar muito.
Depois, ponha a manteiga para derreter na panela. Quando estiver quente, junte as cebolas picadas, misture e deixe em fogo baixo. A ideia é fazer com que caramelizem naturalmente, sem o uso de açúcar (a cebola tem açúcar o bastante para caramelizar sozinha, basta ter paciência).

Este foi o ponto em que parei de caramelizar as cebolas. Há quem deixe mais tempo, para que a cor fique mais acastanhada.
Depois, ponha a manteiga para derreter na panela. Quando estiver quente, junte as cebolas picadas, misture e deixe em fogo baixo. A ideia é fazer com que caramelizem naturalmente, sem o uso de açúcar (a cebola tem açúcar o bastante para caramelizar sozinha, basta ter paciência).
Este foi o ponto em que parei de caramelizar as cebolas. Há quem deixe mais tempo, para que a cor fique mais acastanhada.
Neste ponto, tempere com sal, tomilho e pimenta a gosto. Junte a farinha de trigo e mexa bem. Deixe cozinhar um pouco mais. Depois, derrame o conhaque e raspe o fundo da panela para soltar as cebolas que porventura estejam grudadas lá. Junte a água, tampe a panela e deixe ferver por cerca de 30-35 minutos, até que engrosse um pouco.
Preaqueça o forno a 220°C.
Coloque a sopa em tigelas individuais ou em sopeira que possa ir ao forno. Coloque as torradas por cima da sopa e, por cima delas, salpique o queijo. Leve ao forno para gratinar (no meu forno levou cerca de 20 minutos, mas se o seu tiver a função grill com certeza levará menos tempo). Sirva.
Ta-dáááá! |
Espero que tenham gostado tanto da receita quanto da dica de leitura!
Inté! :)